Poucos compostos químicos conseguem ostentar uma biografia tão paradoxal como os clorofluorocarbonetos (CFCs). Começaram como salvadores da refrigeração doméstica, desfrutaram de décadas de aclamação e terminaram como inimigos da atmosfera terrestre. É uma narrativa de ascensão e queda que ilustra perfeitamente como as soluções mais elegantes podem conter as suas próprias sementes de destruição.
OS ANOS DOURADOS
Nos anos 1930, abrir um frigorífico constituía uma atividade de risco considerável. Os sistemas de refrigeração funcionavam com substâncias nada hospitaleiras como amónio e dióxido de enxofre.
Thomas Midgley Jr. desenvolveu então os CFCs, transformando instantaneamente a refrigeração numa atividade adequada para toda a família. Os CFCs apresentavam características notáveis: estabilidade química, ausência de toxicidade, resistência à combustão e propriedades não corrosivas. O que mais se podia desejar?
A revolução que provocaram foi abrangente: frigoríficos seguros, sistemas de ar condicionado, aerossóis, espumas isolantes. Os CFCs integraram-se silenciosamente na infraestrutura da vida moderna, funcionando perfeitamente. Eram notáveis!
AFINAL NÃO ERA BEM ASSIM
A narrativa adquire contornos interessantes nos anos 1970, quando dois químicos inconvenientemente curiosos, Molina e Rowland, decidiram investigar o destino dos CFCs após a sua libertação na atmosfera. A descoberta foi reveladora: estes compostos, aparentemente inofensivos, destruiam, secretamente, a camada de ozono.
Cada molécula de CFC, ao decompor-se nas altitudes superiores, libertava átomos de cloro que se comportavam como catalisadores destrutivos, consumindo ozono com uma eficiência impressionante. Um único átomo de cloro conseguia eliminar milhares de moléculas de ozono antes de se regenerar para continuar o processo. Era como descobrir que o funcionário do mês andava discretamente a sabotar o sistema de segurança.
O buraco na camada de ozono sobre a Antártida forneceu a evidência irrefutável. Subitamente, os CFCs transitaram de salvadores da humanidade para protagonistas de uma catástrofe ambiental global. Como bónus, revelaram-se também gases de efeito de estufa particularmente potentes. Inicialmente usados na refrigeração, estes compostos já tinham virado o jogo: o planeta estava a aquecer!
E foi assim que os CFCs conseguiram uma dupla distinção no âmbito da degradação ambiental…

A REDENÇÃO
Raramente a humanidade demonstra tal celeridade perante ameaças ambientais, mas desta vez até os decisores políticos compreenderam que manter um buraco significativo na nossa proteção contra a radiação ultravioleta não constituía uma estratégia perspicaz.
O Protocolo de Montreal (1987) estabeleceu um programa de eliminação gradual dos CFCs, substituindo-os por alternativas menos destrutivas. Não foi uma tarefa simples. Foi necessário substituir substâncias presentes em praticamente todos os setores, desde refrigeração a produtos aerossóis, mas o objetivo foi alcançado com um sucesso nunca antes visto. Atualmente, a camada de ozono recupera gradualmente.
Moral da história
Thomas Midgley Jr., o criador dos CFCs, também desenvolveu o chumbo tetraetílico para combustíveis. Este investigador possuía um talento peculiar para resolver problemas criando… outros problemas. Não se tratava de malícia, mas sim de uma concentração estatisticamente improvável de arranjar sarilhos!
A história dos CFCs ensina-nos que na química não há soluções sem custos. E nós aprendemos uma lição valiosa: podemos ser, simultaneamente, brilhantes e desastrosos. Mais importante ainda: vale a pena corrigir os nossos erros (antes que o planeta nos apresente uma fatura final que não possamos saldar).
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