Avançar para o conteúdo

Fritz Haber: O homem que salvou mil milhões (mas inventou o inferno)

A história mais controversa da química moderna

“Eu criei esta reação para o bem da humanidade, mas ela tem sido usada para a destruição.”

Fritz Haber

Vou apresentar-vos alguém que salvou mais vidas humanas do que qualquer médico ou líder político da história. Um génio que resolveu um dos maiores problemas da humanidade quando todos pareciam ter desistido.

Mas esta não é uma história simples de heroísmo científico. É a biografia de um homem cujas descobertas salvaram milhões… e cujas escolhas custaram a vida a muitos outros.

Esta é a história de Fritz Haber, uma das mais controversa da ciência moderna.


O PROBLEMA QUE AMEAÇAVA A CIVILIZAÇÃO

No início do século XX, a humanidade enfrentava uma crise: a população crescia exponencialmente, mas a produção de alimentos aumentava apenas linearmente. A matemática era preocupante. Sem uma solução, a fome massiva seria inevitável.

A agricultura dependia de fertilizantes naturais (esterco e nitratos do Chile), mas estes eram finitos. A realidade era cruel: o nitrogénio, essencial para todas as plantas, compõe 78% da atmosfera, mas está numa forma que as plantas não conseguem usar. Era como estar rodeado por um oceano e morrer de sede.

Dezenas de cientistas tentaram “fixar” o nitrogénio atmosférico. Todos falharam. A ligação entre os átomos de nitrogénio é uma das mais fortes da natureza!

ENTRA FRITZ HABER (1868-1934)

Fritz Haber nasceu numa família judia alemã em 1868. Para avançar na carreira científica, converteu-se ao protestantismo (a primeira de muitas decisões controversas).

Não era o estudante mais brilhante, mas tinha uma persistência inabalável. Em 1894, aos 26 anos, decidiu enfrentar o “problema do nitrogénio” onde tantos outros tinham falhado.

Durante 15 anos trabalhou obsessivamente. Testou centenas de catalisadores, milhares de combinações. Falhou repetidamente, mas cada falha ensinava-lhe algo novo. Finalmente, entre 1909 e 1913, conseguiu!

N₂ + 3H₂ ⇌ 2NH₃

Parece simples, mas exige condições extremas: 400-500°C, pressões 150 vezes superiores à atmosférica e catalisadores de ferro em condições específicas. Com Carl Bosch, escalaram para produção industrial. Nascia o processo Haber-Bosch.

O SALVADOR DA HUMANIDADE

  • 48% da população mundial é sustentada por fertilizantes sintéticos
  • 50% do nitrogénio no nosso corpo provém deste processo
  • 3,5 mil milhões de pessoas são alimentadas graças a Haber

O processo permitiu a “Revolução Verde” dos anos 1960-70. Norman Borlaug, Nobel da Paz por “alimentar o mundo”, disse: “As minhas variedades de trigo não teriam sido possíveis sem os fertilizantes de Haber.”

O LADO SOMBRIO

Mas o amoníaco não serve só para fazer fertilizantes – pode ser convertido em explosivos…

Quando começou a Primeira Guerra, a Alemanha sofreu um bloqueio naval e não conseguia obter nitratos chilenos. Sem o processo Haber-Bosch, a guerra teria acabado em poucos meses por falta de munições. Em vez disso, prolongou-se por quatro anos devastadores.

Haber tornou-se diretor do programa alemão de armas químicas. Em 1915, supervisionou o primeiro ataque com gás cloro, no qual foram atingidos 5.000 soldados aliados.

Clara Immerwahr, sua esposa e também química, opunha-se ao trabalho com armas químicas e andava desolada. Em maio de 1915, morreu em circunstâncias trágicas no jardim de casa. Haber partiu novamente para a frente de combate no dia seguinte ao funeral.

O NOBEL MAIS CONTROVERSO

Em 1918, Haber recebeu o Nobel de Química. A cerimónia foi tensa. Aliás, vários cientistas protestaram, considerando que premiar Haber legitimava as armas químicas.

Einstein escreveu: “Haber representa o dilema trágico do nosso tempo: as maiores descobertas podem servir tanto a vida quanto a morte.”

O paradoxo permanece: salvou milhares de milhões de vidas, mas custou centenas de milhares. Numericamente positivo, mas eticamente discutível.

EXÍLIO E MORTE

Quando os nazis subiram ao poder em 1933, Haber foi expulso da Alemanha por ser judeu, apesar da conversão e do serviço dedicado ao país durante a guerra.

Morreu em 1934, aos 65 anos, sozinho. Poucas pessoas compareceram ao funeral.


A LIÇÃO DE HABER

O processo Haber-Bosch continua essencial, permitindo alimentar metade da população atual, mas trouxe novos desafios, pois consome muita energia e é poluente, contribuindo para as alterações climáticas.

A história de Haber exemplifica o dilema da ciência moderna: o conhecimento é neutro, mas as suas aplicações não o são. E outros cientistas enfrentaram tensões similares:

  • Alfred Nobel: Descoberta de Explosivos → Prémios da Paz
  • Einstein: Teoria da Relatividade → Bomba atómica
  • Oppenheimer: Projeto Manhattan → Luta antinuclear

Questões que permanecem:

  • Até onde vai a responsabilidade de um cientista?
  • Devemos julgar descobertas pelos resultados ou pelas intenções?
  • Existem áreas que não devem ser investigadas?

Fritz Haber não foi herói nem vilão. Foi humano. As suas descobertas salvaram mais vidas do que qualquer avanço científico individual, mas demonstraram como o conhecimento pode ser uma faca de dois gumes.

O verdadeiro poder da Ciência não está nas descobertas, mas nas escolhas que fazemos com elas!


Próximo artigo:

Marie Curie – Quando a Ciência mata os seus cientistas


SÉRIE COMPLETA

  1. Fritz Haber – O homem que salvou mil milhões (mas Inventou o inferno)
  2. Marie Curie – Quando a Ciência mata os seus cientistas
  3. DDT: salvador ou vilão? – Se os pássaros se calam…
  4. CFCs – O ar fresco que quase nos aqueceu para sempre
  5. Plásticos – A Invenção que não conseguimos “desinventar”
  6. E=mc²  – A fórmula mais elegante e mais perigosa da história
  7. O Futuro – Os desafios nas vossas mãos

Acompanhem a série completa para saber como cada uma destas descobertas mudou o Mundo… e quase o destruiu!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *